sábado, 12 de fevereiro de 2011

Vai-se a Moral Católica “pró quinto dos infernos” !!

Embora seja uma tradição forte dentro do cristianismo, é notável como desde o pontificado de João Paulo II, iniciado em 1978, a Igreja Católica vem se concentrando exasperadamente numa moral que somente legitima as relações sexuais voltadas à procriação (um claro retrocesso com relação ao valor da sexualidade no casamento, admitida no Concílio Vaticano Segundo), e que tornou o aborto, quaisquer que sejam as circunstâncias do mesmo, equivalente ao genocídio.
O paradoxo é que o Vaticano faz essa redução da moral a uma forma determinada de exercício da sexualidade, num período em que a família tradicional, sob a autoridade masculina, dissolveu-se por múltiplas razões: as noções de maternidade e paternidade transformam-se, entre outras coisas, por meio de tecnologias que dissociam definitivamente a reprodução do exercício da sexualidade.
Mas, além disso, o Vaticano atua desta maneira num momento de particular e grave descrédito mundial, devido à avalanche de denúncias que, desde o final do século XX, se abate sobre os membros do clero católico por abusos sexuais contra crianças, adolescentes e jovens seminaristas sob seus cuidados. Trata-se de milhares de casos em quase todo o mundo.
As denúncias são de dupla natureza: por um lado, os próprios abusos, por outro, seu acobertamento por parte da hierarquia eclesiástica. Os abusos têm responsáveis individuais. O acobertamento é uma responsabilidade institucional que converte em cúmplices os membros da hierarquia, embora estes não estejam, em absoluto, envolvidos nessas condutas como indivíduos.
O próprio papa Bento XVI foi acusado de acobertamento, devido ao papel que desempenhou, desde o pontificado de João Paulo II, como responsável pela Congregação da Doutrina da Fé (a antiga Santa Inquisição). Alguns casos pontuais, na Califórnia, Wisconsin, Arizona e Munique, dão conta de que Joseph Ratzinger levou anos para afastar de suas funções os sacerdotes acusados de abusos sexuais contra menores, apesar da insistência dos respectivos bispos locais nesse sentido. No último dia 6 de abril, o diário alemão Der Spiegel publicou uma nota bombástica com o título: “O pontificado falido de Bento XVI”, em que pedia a renúncia do papa.
No lugar de admitir que foi o desenvolvimento da cultura dos direitos humanos – e, dentro dela, a dos direitos da criança – que possibilitou estas denúncias desde o final do século XX, a hierarquia eclesiástica refere-se aos abusos sexuais por membros do clero como se se tratasse de uma novidade própria do final do século XX, consequência indesejável dentro da Igreja da influência do Concílio Vaticano Segundo, por um lado, e, por outro, das correntes secularizadoras que transformaram muitas sociedades nesse período. Não admite que, de fato, esta é uma prática arraigada durante séculos e protegida pela cultura do segredo, própria do Vaticano ao longo de toda a sua história. Por exemplo, a secularização da Irlanda nos últimos anos permitiu a divulgação, em 2009, dos relatórios Ryan e Murphy, sobre abusos cometidos por clérigos católicos em orfanatos, reformatórios e albergues irlandeses para meninas, meninos e adolescentes, impossibilitados de qualquer denúncia, com a cumplicidade da Justiça e da polícia irlandesas, no decorrer do século XX. O papa insinuou que é a influência do Concílio Vaticano Segundo e a secularização da Irlanda que estão na raiz do acobertamento clerical: “Nas últimas décadas, a Igreja no país de vocês viu-se diante de novos e graves desafios para a fé, devido à rápida transformação e secularização da sociedade irlandesa. O programa de renovação proposto pelo Concílio Vaticano Segundo foi mal interpretado, às vezes; e houve, em particular, uma tendência (…) a evitar enfoques penais das situações canonicamente irregulares…”1.
Talvez o descrédito da Igreja no mundo, unido à inoportuna violência com que o arcebispo Bergoglio abordou o debate no Senado, tenha influído na capacidade da direção política e da sociedade para discernir com clareza e evitar que qualquer consideração referida a uma fé religiosa impedisse a confirmação de um dispositivo legal civil que reconhece direitos de uma minoria importante.